A intertextualidade na literatura
 



Dicas

A intertextualidade na literatura

Emilly Garcia


Em algum momento da vida, ao ler um livro, você já deve ter se deparado com referências que o fizeram lembrar de uma obra anterior. Pode ser que essas referências fossem explícitas, com citações e menções claras, e pode ser que tenham sido sutis, deixando apenas uma sensação de familiaridade.




Essa presença de um texto no outro, posta de maneira consciente ou não, é o que a filósofa e crítica literária, Julia Kristeva, chamou de intertextualidade. É ela quem utiliza o termo pela primeira vez, em seu livro "Séméiotiké, Recherches pour une sémanalyse", publicado em 1969. Antes de Kristeva, na década de 1920, o filósofo e estudioso da linguagem, Mikhail Bakhtin, falava em dialogismo, ou diálogo entre discursos, que vários teóricos apontam como um conceito similar.

Foi no dialogismo de Bakhtin que Kristeva se apoiou para estruturar a definição de intertextualidade, que, de acordo com ela, ocorre quando:

"O eixo horizontal (sujeito-destinatário) e o eixo vertical (texto-contexto) coincidem para desvelar um fato maior: a palavra (o texto) é um cruzamento de palavras (de textos) em que se lê pelo menos uma outra palavra (texto)" (Kristeva, 1969).

Na sequência, ela simplifica, dizendo que "todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto" (Kristeva, 1969).

Ou seja, um texto só existe porque outros existiram anteriormente. Mas longe de ser uma simples cópia, a intertextualidade tem a ver com historicidade, com a produção de conhecimento e a memória de uma sociedade, uma vez que passado e presente podem coexistir numa mesma obra. Ela pode ser implícita ou explícita e se manifesta como uma citação, alusão, paródia, pastiche, colagem ou epígrafe.

No livro "A intertextualidade" (Editora Hucitec, 2008), Tiphaine Samoyault traça uma linha do tempo em torno do tema. A autora vai desde o dialogismo de Bakhtin ao surgimento do conceito em si, com Kristeva, passando pela crítica literária de Roland Barthes até a sua aplicabilidade na Literatura Comparada e nos estudos de recepção, que consideram também a percepção e a interpretação do leitor diante das referências evocadas.

Na mesma direção de Samoyault, no artigo "Intertextualidade: considerações em torno do dialogismo" (2006), de Ricardo Zani, o autor esclarece que existem três requisitos para que a intertextualidade ocorra, os quais colocaremos aqui em linhas gerais. São eles:

Citação: evidencia "a relação discursiva explicitamente e todo o discurso citado é, basicamente, um elemento dentro de outro já existente".

Alusão: diferentemente da citação explícita, a alusão é "como uma construção que reproduz a ideia central de algo já discursado e que, como o próprio termo deixa transparecer, alude a um discurso já conhecido do público em geral".

Estilização: "uma forma de reproduzir os elementos de um discurso já existente, como uma reprodução estilística do conteúdo formal ou textual, com o intuito de reestilizá-lo".

Na literatura brasileira, as releituras do poema "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias, por exemplo, mostram como a intertextualidade pode se manifestar. Um trecho do poema foi usado na letra do Hino Nacional e o escritor Oswald de Andrade inspirou-se nesta obra para escrever "Canto de regresso à pátria".

Outro exemplo foi o Modernismo Brasileiro nas artes e na literatura, cuja lógica, permeada em grande parte por uma perspectiva antropofágica, consistia em dialogar com influências europeias, adaptando-as ao contexto social e histórico do Brasil à época.

A intertextualidade não é exclusiva da literatura. O cinema, a música, as artes plásticas e até a redação publicitária são áreas onde este conceito se faz bastante presente. Quanto à criação literária, um autor pode utilizar elementos de um texto anterior para homenagear, referendar, divertir, satirizar, situar. E você, como tem usado a intertextualidade na sua escrita?

 

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